segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O Desejo (por Rebeca Fidelis Horta)




“Que dias há que n'alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.”

Assim disse o eterno sonhador e inspirador de tantos sonhos impossíveis e desesperados: Camões, um eterno romântico. Mais me parece um total inexperiente nas loucuras de paixão. Fernando Pessoa, certo dia escreveu algumas poucas, porém sábias palavras que diziam:

“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”

E talvez seja mesmo essa a explicação: Camões nunca realmente viveu amor algum, sequer viveu paixão alguma, daí seus motivos – uma boa dose de amor platônico em conjunto com a veia poética, fazem do poeta, eterno fingidor, um perito para ditar belíssimos versos.
Perfeito!... Não fossem pura ilusão, suas palavras...
Antes que eu me coloque em alguma situação um tanto embaraçosa e me faça parecer algum tipo de odiosa solteira que, infeliz, torna-se convicta de que não existe, nem nunca existirá o amor nesse mundo, começarei a escrever novamente, explicarei meus motivos e os pensamentos e tentarei ao máximo, ser concisa e organizada:
Relacionamentos... Por que são tão constantemente, os pensamentos prioritários em nossa confusa, difusa, tantas vezes dilacerada, traiçoeira e enganosa mente? Por que os desejamos tanto? Por que não conseguimos viver sozinhos? Por que sempre sonhamos e sonhamos cada vez mais alto?
Todos desejam um “amor pra vida toda”, uma “alma-gêmea”, alguém que nos ame, que nos cuide, que nos respeite, que divida conosco as dores e alegrias não apenas dos momentos especiais, mas também dos costumeiros e enfadonhos momentos de rotina.
Eis o motivo: desejo é o que nos mantém vivos, é o que nos impulsiona. Sempre desejamos mais. Os pobres desejam ser ricos, o que os impulsiona a trabalhar. Os ricos desejam mais simplicidade nas relações e nos afetos, mais sentimentos verdadeiros. Os solitários desejam amigos e família. Os populares desejam “paz”, querem momentos só pra si, poder se isolar quando houver necessidade. Mulheres sentem o impulso da natureza e, desejam tanto ter um filho, que pensam que esse é o único motivo pra elas terem nascido. Mães se saturam com a presença dos filhos e desejam ter “ao menos um dia de tranqüilidade” esporadicamente.
Todos queremos nos casar para ter companhia, mas quando nos casamos, desejamos ser solteiros pela liberdade. Esse é o triste funcionamento da disfuncional máquina chamada “ser humano”. Quando paramos de desejar, nos tornamos meras carcaças à beira da morte, esperando que algo acabe com nosso sofrimento e desesperança. Por isso nos apaixonamos tanto por nossos sonhos.
Apenas conseguimos viver e continuar nossas vidas se estivermos insatisfeitos. Por isso as tristezas duram mais do que as felicidades da vida. Mesmo tendo motivos constantes para ficar felizes, precisamos sair do comum, do ordinário. E, apenas o extraordinário consegue nos alegrar. Isso por conhecermos apenas alegrias frias e torpes. Não conhecemos a verdadeira felicidade.
Os homens dizem que as mulheres gostam de sofrer, pois sempre se apaixonam pelo homem que as trata mal, que não se importa com elas, ao invés de se apaixonarem pelos que se apaixonam por elas. E aí fica a pergunta: o que veio primeiro, o ovo ou a galinha?
A mulher se apaixona pelo homem que a desdenha, ou o homem desdenha a mulher que se apaixona por ele? A mulher desdenha o homem que se apaixona por ela ou o homem se apaixona pela mulher que o ignora?
Os homens ao afirmarem isso com tanta certeza, se enganam, não por ser diferente, pois não é. As mulheres realmente se apaixonam pelos homens errados, mas primeiro: não são apenas as mulheres que o fazem, e sim o ser humano. Esse é um dos típicos comportamentos da nossa raça. Segundo: não o fazemos por gostar de sofrer, e sim por “pensar” (inconscientemente) que é o necessário para nos mantermos vivos. Se todos nos casássemos com quem amamos, sempre reciprocamente, nossa alma-gêmea, que combina conosco em tudo e nos completa, não seríamos felizes, pois não teríamos problemas e deixaríamos de desejar.
Eis o motivo de eu dizer que Camões escreveu sem conhecimento de causa. Apesar das lindíssimas palavras, se ele tivesse vivido a paixão em sua íntegra, sofreria mais. Não apenas pela dor causada pela paixão, mas pela dor causada pela vida e pela rotina. Quem vive uma relação real no mundo real, não consegue ser constantemente poético e romântico. A única paixão capaz de nos manter sempre românticos é a idealizada, a platônica, por não ter defeitos, a não ser o de não ser realizável. Mas nesse caso, é uma boa opção para o poeta, que se utiliza da dor da paixão irrealizada para sofrer em versos.
Digamos assim: como Vinícius de Morais conseguiu viver várias paixões e ser sempre romântico? A resposta é simples: ele nunca se manteve por muito tempo com uma mulher apenas. Então: ou Camões teve várias mulheres e em cada época ele falou sobre uma delas, ou ele falou de paixões idealizadas enquanto vivia uma vida comum, afinal, todo poeta é um fingidor.
E, enquanto vivemos os nossos anacronismos intelectuais e nos causamos tanta dor e sofrimentos, acreditamos ser injustiçados e castigados pela vida.
Mas, sob o risco de parecer banal e comum, eu digo que talvez devêssemos simplesmente parar de pensar um pouco, por algum tempo, nos deixar levar. Será que ao encontrar a perfeição e parar de desejar, não seria o momento em que realmente nos tornaríamos felizes e divinos? Afinal, se a perfeição deixasse de ser almejada, estaríamos nos acomodando e, isso, ao meu ver, sempre me parecerá o momento em que realmente paramos de querer.
Então, queira! Queira tudo, mas não descarte o que tem para poder querer mais e melhor. Ter é tão bom quanto querer. Eu quero um companheiro e já de antemão, eu digo que não quero ser sufocada. Não espero que ele seja perfeito, mas que ele deseje ser perfeito, assim como eu desejo. Acima de tudo, eu quero não precisar mais querer, ou seja, quero chegar a um ponto em que eu me sinta completa e realizada o suficiente para mim mesma. É nesse momento que eu poderei ser tudo o que eu puder. Poderei exercer todo o meu potencial.
Apesar do meu sentimentalismo, não serei uma feminista piegas a ponto de dizer que meus desejos são os típicos desejos de uma mulher. Não, nesse momento sou apenas um ser humano com todos os seus defeitos, qualidades, esperanças e desesperanças. Sei que apesar de não assumirem, os homens desejam tanto o amor quanto as mulheres, apenas o desejam de forma diferente.
Então, direi apenas que acredito que toda história tem três lados: o lado de um, o lado do outro, e a verdade. Qual será o meio termo? Deve ser aí onde se encontra o amor verdadeiro e a pureza de sentimentos. Deve ser aí onde se encontra a realidade, a não-idealização da perfeição, a aceitação um do outro, o não-desejo, a concretização.

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5 comentários:

  1. Irmazinha linda, maravilhosa, queridíssima do meu coração!!!!!!!! Você anda me saindo melhor do que a encomenda kkkkkkkkk

    Mas posso ser sincera? Quando eu tinha a sua idade, pensava como você. Hoje não penso mais. E sabe por quê?

    Porque a vida a dois é tudo isso que você falou, mas sem um pequenino detalhe: a falta de conhecimento de causa!

    Você já amou, eu sei!

    Mas a vida dois é muito desejo, e falta dele. É muita alegria, e falta dela. É muita felicidade, e falta dela. É um mundo de paz, mas também um mundo de problemas. É um mundo de saúde, mas também consegue ser um mundo de doenças. É ter dinheiro hoje e amanhã não ter um centavo.

    E a cada dia, vamos batalhando pelos nossos "desejos" de que tudo volte a ser realmente desejos, alegrias, felicidades, saúde e fartura!

    E posso concluir que não existe meio termo, muito menos concretização: existe apenas a VERDADE! A verdade das nossas vidas e daquilo que buscamos... e o que buscamos, são nossos desejos, tentando melhorar aquilo que está ruim... a sós, ou acompanhados!

    Deus te abençoe, irmãzinha amada!

    Beijocas da Xandinha

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  2. Então, minha querida, acredito que compreendemos uma a outra: Acredito que a verdade É o meio termo, é a concretização.
    Acredito que os desejos são às vezes metas e às vezes idealização.
    Acredito sim num mundo de problemas, num mundo de doenças, na falta de dinheiro, e, por isso mesmo, digo que Camões que tanto amou em versos, provavelmente não amou em realidade, ou então teria vivido todos esses problemas não apenas da vida a dois, mas da vida de solteiro também, pois, casados ou não, namorando ou não, somos seres fadados a desejar sempre e sempre mais.
    Acredito que essa busca eterna, esses constantes desejos, vêm de uma sensação de incompletude interna, e, assim, vamos nos apegando a tudo o que se possa desejar, apenas ao que cabe na nossa pequena mente, a tudo o que acreditamos que irá nos completar.
    Mas quando conseguimos enfim o objeto de desejo, chegamos sempre à mesma conclusão: somos ainda incompletos, pois nada que há fora de nós poderá um dia acabar com essa carência. Apenas nós podemos nos completar.
    E o desejo, acredito eu, deve ser visto apenas como meta, como desejo de nos aprimoramos. É quando os desejos se tornam as únicas esperanças, que nos perdemos, pois colocamos nossas vidas em seres ou objetos externos. É nesse ponto que, acredito, nasce a loucura, a fuga da realidade.

    Beijos, minha querida!
    Espero que tenha gostado e continue gostando.. rsrsrs..

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  3. nem vou entrar no debate... só comentar que gente fina é outra história...
    Que nossas palavras possam viajar por entre folhas, ouvidos, corações e dimensões...
    cada vez mais maduras e verdadeiras...
    bjo, luz e parabéns pororoca poética

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  4. [i]"Acredito que essa busca eterna, esses constantes desejos, vêm de uma sensação de incompletude interna, e, assim, vamos nos apegando a tudo o que se possa desejar, apenas ao que cabe na nossa pequena mente, a tudo o que acreditamos que irá nos completar.[/i]

    Acontece!!!! Mas é ledo engano e não vale a pena... Você diz: "nossa pequena mente"... Existe uma grande mente e o nome dessa grande mente é DEUS!


    [i]Mas quando conseguimos enfim o objeto de desejo, chegamos sempre à mesma conclusão: somos ainda incompletos, pois nada que há fora de nós poderá um dia acabar com essa carência. Apenas nós podemos nos completar."[/i]

    Não me sinto incompleta, apesar das querelas. Obstáculos existem, fazem parte da vida!!! E apesar de todas elas, me sinto INTEIRA!!!!!!!!!

    E sabe por quê?

    Aprendi a me amar, - acho que peguei o primeiro passo do seu princípio - mas não foi o suficiente.

    DEUS no coração, na mente... orações... e por mais percalços que enfrente, atribulações, conturbações... dá pra se sentir COMPLETO e forte!!!!!

    A propósito, não estou preocupada com Camões. Mas com Fernando Pessoa, cuja estrofe que você postou eu amo de paixão!

    Te amo, Bequinha!

    9 de outubro é aniverário do John Lennon... acho que ele completaria 74 anos...

    Te espero, é meu niver tbm, junto com ele rsrrsr

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