domingo, 27 de setembro de 2009

A verdade sobre a calcinha (por Rebeca Fidelis Horta)


Roupa íntima, roupa de baixo, lingerie, calcinha: são alguns dos nomes utilizados para a definição de uma pequena peça de vestuário íntimo feminino. Vagina, as “partes”, a “perseguida”, a “perereca”, entre vários outros nomes chulos, um tanto vulgares e não-pronunciáveis, são comumente utilizados para a denominação do órgão sexual feminino.
Mas, o que têm em comum as calcinhas e as vaginas que as faz merecer tantos apelidos? Por que uma tão pequenina parte do corpo possui tantos nomes como sinônimos? Primeiramente por causar extremo interesse de todos, por ser a parte que mais comumente interessa aos homens no corpo feminino. Em segundo lugar, a vagina recebeu tantos nomes devido ao tabu que causa. Socialmente, o sexo é considerado algo proibido, feio, errado. Seja por idolatrar a vagina, seja por rechaçá-la, ela recebe constante atenção, e, por isso, recebeu tantas denominações.
Mas o que faz das calcinhas, objetos de tamanho valor e atenção? Certamente, os homens não estão tão preocupados com o conforto e a higiene das mulheres, a ponto de desprenderem tanto tempo e esforços tentando descobrir como é a calcinha de cada uma delas. Creio que se fossem questionados qual o superpoder que cada um gostaria de ter, grande parte deles responderia a visão de raios-X, pra poder ver as calcinhas e o que elas escondem.
Ainda criança, fui ensinada a respeito dessa pequena peça: “Rebeca, você deve usar sempre a calcinha, ela a protege do contato com sujeira, a mantém limpa, e você não pode ficar se expondo. Ou você vai deixar que os meninos vejam sua “pererequinha”?”
Esse pequeno ensinamento é o perfeito ensinamento de uma boa família mineira e conservadora: o típico “matar dois coelhos com uma cajadada só”. Primeiro ele ensina em poucas palavras, com a boa e velha discrição mineira, que a calcinha serve para nos proteger: quando crianças, da areia e da terra suja dos playgrounds. Quando crescemos, nos protegerá do assédio e da “imundice” do sexo oposto. Nesse momento, aprendemos parte do tabu do sexo.
Quando falam que é a calcinha que nos mantém limpas, é nesse momento que começam a nos ensinar que o sexo é sujo. Mas ainda não satisfeitos com a nossa futura e praticamente garantida frigidez, nos ensinam que é vergonhoso nos expor, que nunca iríamos querer que um menino visse a nossa “pererequinha”. Apelam para a nossa vergonha e timidez de crianças para nos ensinar o que devemos ou não mostrar. Acabamos mais tarde não nos mostrando, mas não por acreditar no que é correto e sim, por vergonha de nos expor.
Cresci sempre aumentando a minha coleção de calcinhas. Adorava as do Hello Kitty e as dos Ursinhos Carinhosos. Aprendi que minhas calcinhas devem ser cheirosas. Ainda criança, já recebia sachês de presente com a explicação da bisavó: “Isso é um sachê, serve pra perfumar suas calcinhas”. A partir desse momento começamos a nos questionar que motivos têm as calcinhas pra ser especiais. Ora, por que diabos as roupas não merecem sachês? Por que apenas as calcinhas devem ter um cheiro especial? Será então que elas possuem um cheiro pior que o normal? E nos conformamos com um simples: “Deve ter cheiro de xixi”.
E continuamos crescendo... E os meninos cada vez mais aumentam a polêmica acerca da calcinha. Querem ver, fingem que não querem, dizem que sentem nojo. Inicialmente, até conseguem mesmo nos confundir e, aos poucos, vamos aprendendo que eles falam tanto com intenção de nos envergonhar, não apenas pra rir, mas pra entender o que eles mesmos não entendem: como funciona a calcinha e o mundo das mulheres. E eles caçoam, e sentimos vergonha... E um dia, como mágica, bum! Descobrimos a resposta perfeita! “Por que vocês passam tanto tempo pensando na minha calcinha? Como se fossem ver algum dia!”
Depois desse mágico primeiro momento, percebemos: a melhor forma de lidar com os homens é devolver a pergunta, é deixá-los tímidos, é encurralá-los. E então, damos a nossa primeira virada de perua, nos afastamos com cara de poderosa até um local onde possamos rir. E rimos! E rimos... não apenas por “devolver na mesma moeda”, como rimos por estarmos nervosas. E, na nossa cabeça, passa apenas um pensamento: “Como eu fiz isso? Como eu tive coragem de perguntar isso?”
É aí que mora o perigo: o poder é algo viciante, nos acostumamos com ele, queremos sempre mais, começamos os jogos de sedução, os jogos psicológicos... E tudo por causa da bendita calcinha!
Mas eis que um dia acontece: somos jogadas de cima do nosso pedestal ao ouvirmos os garotos na escola comentarem com imenso desdém a respeito das calcinhas que eles já viram: “sério, a menina... mó gata... mas com uma calcinha tão destruída... não que fosse furada, não era, nem nada, mas era calçola de algodão daquelas de avó!”
Toda a nossa vida passa em frente aos nossos olhos e nos lembramos instantaneamente de como sempre gostamos das tais “calçolas de algodão” tão fofinhas, agora com o Piu-piu e o Frajola. E então passamos a compreender que os meninos gostam é daquelas calcinhas bem ‘sexies’, de renda, pretas ou vermelhas, iguais às das nossas mães, as quais sempre achamos tão vulgares.
E nesse momento, pensamos: “é, calcinha de algodão é coisa de criança, mulheres usam lingerie de renda, bem sensual. Tenho que me adaptar”. E partimos então rumo à nossa próxima aventura com todos os seus perigos: vamos comprar novas calcinhas... mas... como fazer para a nossa mãe pagar por essas calcinhas? E então, na próxima saída às compras – ritual feito entre mãe e filha – nos encontramos nas típicas lojas de departamento – onde se encontra as velhas, boas e baratas calcinhas de algodão. Escolhemos uma blusinha, um top, uma saia, um pijama... e... partimos rumo à sessão de lingerie onde, como se estivéssemos acostumadíssimas, selecionamos um conjunto de renda vermelho bordô, sem ao menos olhar pra ele e ver se é bonito, para não correr o risco de sermos pegas escolhendo uma lingerie sexy.
Obviamente, mães são observadoras e, mesmo que não instantaneamente, acabam percebendo que pegamos um desses conjuntos. E então, com toda a sua antipsicologia de mãe moderna nos pergunta: “o que é isso?” Ela não sabe se chora, xinga, ou ri, mas ainda assim, e, mostrando todas essas reações, ela nos questiona imperativa e, em frações de segundos, encontramos lá no fundo uma frieza que parte ninguém sabe de onde e respondemos: “calcinha, ué! O que mais seria?” Nesse momento nos lembramos de rezar implorando a Deus que a controle para segurar a próxima pergunta... Mas... como era de se esperar, de nada adianta, ela pergunta assim mesmo: “E por que você quer essa lingerie vulgar?” Ainda nos controlando para não sair gritando de vergonha pela loja, respondemos: “porque as pessoas crescem, mãe! Eu não sou criança mais!”
Agora são duas sem palavras, tanto a mãe, quanto a filha. A mãe, pois não imaginava que a filha havia crescido e que estava tão segura de si. A filha, pelo mesmo motivo. As duas pagam a conta, a filha sai vitoriosa enquanto a mãe, calada dentro do carro, se afunda em seus pensamentos, imaginando em que ocasião a “sua menininha” usará “aquilo”.
Ao chegar em casa, a menina caminha segura para seu quarto, e, quando enfim vai olhar seu prêmio, sua conquista, ela percebe que comprou um conjunto de lingerie vermelho bordô, com calcinha fio-dental e soutien redondo com enchimento. Ela então se segura para não gritar, pensa que nunca terá coragem de usar aquele conjunto, o esconde no fundo de suas gavetas com medo de alguém algum dia ver “aquilo” e pensa que aos poucos ela pode dizer à sua mãe para comprar lingerie de renda e não de algodão. Agora pelo menos o tabu foi rompido.
Engano! Essa foi apenas uma das vezes em que isso ocorreria, mas, aos poucos, a menina se torna mais segura e “cara-de-pau” o suficiente pra dizer que quer uma calcinha de renda preta bem linda. E, provavelmente – erroneamente pensa ela – o tal “primeiro conjunto sexy”, servirá para algo mais tarde em sua vida.
E então, independentemente dos preâmbulos e da conquista, eis que um dia nos deparamos com a primeira vez que um namorado verá nossa calcinha. Sempre de forma desagradável e incômoda, há sempre o momento de nos depararmos com essa situação e eis que ele vê a nossa tão ”batalhada” lingerie sexy de renda preta, que compramos especialmente pra essa ocasião, para o momento em que ele fosse ver. Sem nem perceber que o conjunto de roupa íntima está absolutamente novo, ele nos olha com uma expressão de espanto, mas não diz nada. Ficamos absolutamente estarrecidas com o espanto do rapaz, sem compreender o que se passa em sua mente. Após todo o envergonhado ritual de troca de carícias adolescentes, eis que ele nos pergunta: “você usa calcinha assim?”
Em um misto de susto, medo e raiva, notamos a sua cara de julgamento, percebendo que ele passou a achar que somos vulgares e então respondemos: “assim como?” Pelo nosso tom passivo-agressivo de menina ofendida e nervosa, ele percebe que deve recuar, mas agora já é tarde e ele é obrigado a dizer que não imaginava que sua namorada usava renda preta, que ele achava que isso é “coisa de mulher mais velha”. Tentando corrigir dizendo que gostou, ele descobre o recurso que utilizará o resto de sua vida: sempre falar o que a mulher quer ouvir.
Obviamente não nos convencemos com esse discurso e tentamos ao máximo controlar as emoções, algo que os hormônios não permitem muito bem, e, de repente, aos prantos, assumimos que compramos a roupa exclusivamente para ele. Agora nos incomodamos é com a expressão de dó que ele nos mostra. E, achando “bonitinho” o fato da sua namorada ser uma menininha frágil, que “sabe menos” do que eles, eles nos consolam dizendo que adoraram.
Essa foi a primeira vez que descobrimos como derreter um homem com a sádica chantagem emocional do choro. Percebemos também que eles querem se sentir fortes e poderosos, que podemos usar isso ao nosso favor. Além disso, descobrimos que, apesar de eles desejarem uma mulher sensual, sexualizada, isso é apenas a fantasia falando mais alto. Eles querem a mulher quando se trata do desejo, mas querem a menina para ser suas. E é então que percebemos que pelo resto de nossas vidas, teremos que ter duas caras: a mulher sexy e poderosa que o deixa aos seus pés, e a menininha frágil que esconde a mulher. E então percebemos: “quem deve mandar na relação é a mulher, mas o homem deve achar que manda”.
A conclusão à qual podemos chegar é a de que sempre descobriremos mais e mais jogos, formas de manipular e controlar. E tudo começa novamente... por causa da calcinha!
Passamos a nos adaptar às novas descobertas, abusando da tal “malícia de toda mulher”, como disse Caetano Veloso. E seguimos vivendo assim. Algumas nunca vão além nessa descoberta, infelizmente. Outras, como eu, chegam a um momento em suas vidas em que percebem que todo esse jogo foi em vão, que apenas corrompeu o que poderia ser uma linda e saudável relação. Descobrimos que ao controlar e manipular, deixamos de ter algo verdadeiro. Descobrimos que ao fingir, não somos amadas, pois quem é amada é a mulher que eles pensam que somos.
Eu cheguei ao ponto ainda de perceber que eu não preciso fingir. Mesmo que eu fique solteira e sozinha, é melhor do que fingir, pois quando eu estiver acompanhada, será por quem sou: a menininha.
Algumas mulheres acabam por descobrir que são realmente as mulheres felinas controladoras. Algumas descobrem que são meninas e sempre serão meninas. Descobri que a felina que eu tinha em mim era apenas a minha incrível capacidade de atuação.
E então eu me revelei, saí do armário, assumi para meus amigos: eu sou e sempre vou ser a menininha que sonha em casar virgem! Nunca fui ‘poderosa’ e nem quero ser! Meu poder está em ser apenas eu, como sou. Aos poucos me encaminho rumo às minhas verdades, ao que é real pra mim.
Ainda me surpreendo sempre, bastante incomodada com o mesmo tipo de comentários que sempre me incomodaram tanto. Mas, se supero minhas inseguranças e loucuras, recordo-me de como são caras as belas calcinhas, de como eu passei a ficar mais confortável ao voltar a usar as calcinhas de algodão. Recordo-me que voltei às “calcinhas de criança” após recomendação médica, pois elas são melhores pra saúde. Acredito que os homens preferem isso à nossa velha inimiga candidíase.
Após o incômodo inicial em relação aos comentários machistas, me recordo do fato de que os homens não se preocupam com suas cuecas, nem sequer se preocupam com seus pêlos. Alguns não se preocupam com os cheiros e com a higiene. A maioria não se preocupa com as unhas. E nós, mulheres, que tanto fazemos para nos cuidar, estar sempre cheirosas e macias, devemos poder nos dar ao luxo de ser meninas se quisermos. Eu sei que sou mais feliz agora, mais moleca, mais autêntica. Ainda luto contra a insegurança, contra meu peso, contra tudo o que me desagrada, porém hoje sei que caso eu não tenha dinheiro pra estar sempre com lingerie nova e perfeita, eu posso usar aquela velhinha, meio descosturada e não ser dispensada por isso.
As mulheres que estiverem lendo esse texto, podem pensar nesse momento que sim, seriam dispensadas por isso. E não, eu não digo que não serão. Apenas digo que se um dito “homem” dispensa uma mulher por causa da roupa que ela usa, ele não merece ser chamado de homem, e sim de “menino infantil e fútil”.
Sempre vemos homens xingando uns aos outros de “bicha”, dizendo que se importar com a aparência, se cuidar, é coisa de gay. Veja bem, eu penso da seguinte forma: Estar cuidado e cheiroso se chama amor-próprio. Dispensar uma mulher pela roupa que ela usa é ser “bicha”. Obviamente esse homem se importa muito mais com roupas, moda, vestuário, do que um gay.
Pois eu gosto é de macho e, ao meu ver, macho que é macho, se cuida pois valoriza a própria vida. Macho cuida da sua mulher e a valoriza. Macho sabe que ela é forte, não a subestima, mas sabe também das suas fragilidades e está preparado para ceder seu colo caso seja necessário.
A todas as mulheres que se cuidam para os homens, eu tenho apenas uma palavra: goiaba. “Goiaba” é a gíria dada a mulheres que gostam de gays. Não, uma mulher não deve se descuidar, deve ser limpa e cheirosa, deve ser bem tratada e se tratar bem, mas deve fazer isso devido ao amor-próprio, e não por medo de julgamentos e cobranças.
E, quanto às calcinhas, se fizermos a nossa parte, se mostrarmos o quanto é difícil um homem chegar a vê-las, se nos valorizarmos e acreditarmos no amor, se eles tiverem que nos conquistar muito antes de poder ter a honra de nos ver nuas, talvez eles nem reparem no que estamos usando, e sim, fiquem verdadeiramente felizes, apaixonados, talvez até amem, pelo simples fato de enfim, nos entregarmos a eles, pois não nos entregaríamos apenas em corpo, e sim em corpo, alma e coração.

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